DIREITOS POLITICOS
SUSPENSÃO DECORRENTE DE SENTEÇA PENAL
Frederico E. S. Araújo – Advogado
Montes Claros/MG –Janeiro/2014
Na ordem jurídica brasileira, a raiz constitucional de todos os direitos políticos pode ser identificada no parágrafo único do art. 1° da CF/88, que dispõe: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Mas nem todas as pessoas gozam de direitos políticos plenamente. Não têm direitos políticos os estrangeiros e os menores de 16 anos. Por outro lado, a Constituição Federal admite sua perda ou suspensão nas hipóteses previstas no art. 15, a saber: (I) cancelamento da naturalização, (II) incapacidade civil absoluta, (III) condenação criminal transitada em julgado, (IV) recusa de cumprimento de obrigação a todos imposta ou da prestação alternativa e (V) improbidade administrativa. A rigor, são apenas duas as hipóteses de perda dos direitos políticos: o cancelamento da naturalização e a perda da nacionalidade brasileira. Todas as demais são hipóteses de suspensão que perduram somente enquanto perdurarem as causas determinantes. Ocupamo-nos aqui apenas da hipótese de suspensão do Inciso III: “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”;
Discutem os operadores do direito se a suspensão dos direitos políticos é, ou não, automática diante de qualquer condenação transitada em julgado. A Constituição anterior, Emenda n. 1/69, estabelecia no art. 149, § 3º: “Lei Complementar disporá sobre a especificação dos direitos políticos, o gozo, o exercício, a perda ou suspensão de todos ou de qualquer deles e os casos e as condições de sua reaquisição.” Referida Lei complementar nunca chegou a ser editada, razão porque se entendia que a suspensão dos direitos políticos não seria auto-aplicável. Após o advento da Constituição de 1988 – que não exige nenhuma norma regulamentadora – embora a maioria entenda que a suspensão dos direitos políticos por condenação transitada em julgado é automática, alguns operadores do Direito mais cuidadosos continuam entendendo que a aplicação do preceito constitucional atual depende de regulamentação.
É que, de um lado, a privação dos direitos políticos, como regra geral, implica na perda do mandato eletivo. Porém, os parlamentares federais no exercício do mandato que forem condenados criminalmente não perdem automaticamente o mandato (Ex: Caso Natan Donadon), pois a própria Constituição Federal (Art. 55-2º) estabelece que a perda será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, “por voto secreto e maioria absoluta”, podendo o condenado continuar no cargo dependendo da referida decisão política, embora não possa disputar novas eleições enquanto durarem os efeitos da condenação. Diversas, porém, são as consequências se a condenação envolver parlamentares estaduais, distritais ou municipais, para os quais o trânsito em julgado da sentença penal condenatória implica imediata cessação do exercício do Mandato, independentemente de qualquer deliberação política. Assim, diante de duas normas constitucionais aparentemente conflitantes (CF, arts. 15-III e 55-2º) seria necessário regulamentar a matéria procurando garantir a unidade da Constituição.
Por outro lado, o art.15, inc. III, da Constituição Federal –(aquele que incide diretamente sobre os parlamentares estaduais, distritais ou municipais independentemente de qualquer deliberação política)- não distingue o tipo de crime que originou a condenação, nem a qualidade ou quantidade da pena imposta. Não importa tratar-se de contravenção ou crime, delito doloso ou culposo, apenado com reclusão ou detenção, ou se condenação é a pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou pecuniária. Só isso basta para entender a perplexidade daqueles que relutam em aceitar que a norma do artigo 15, III, da Constituição Federal seja auto-aplicável em qualquer hipótese.
Questiona-se, por exemplo, a necessidade de suspensão do Mandato eletivo daqueles que, condenados por sentença transitada em julgado, tenham a pena privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos. Nesses casos em que o exercício do cargo não é incompatível com o cumprimento da pena de prestação de serviços ou da pena pecuniária estabelecidas na sentença penal, porquanto o autor não terá o seu status libertatis nem mesmo limitado, seria desnecessário que a suspensão dos seus direitos políticos implicasse na suspensão do exercício do cargo. Sendo substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, não se vislumbra qualquer incompatibilidade em relação ao pleno gozo das prerrogativas políticas, cuja relevante importância só permite que sejam impedidas em situações que inviabilizem materialmente seu exercício, como seria o caso do condenado ter de cumprir sua pena encarcerado.
Sustenta-se que o sufrágio universal, o acesso à democracia e a própria cidadania estão em jogo e postos em xeque pela interpretação atual do preceito do art. 15, III da CF. Trata-se de séria hipótese de restrição a direitos fundamentais. Chegaria a ser ditatorial admitir interpretação que não seja restritiva de uma norma que restringe tão caros direitos.
Nossos Tribunais vêm construindo entendimento jurisprudencial de vanguarda no sentido de que a suspensão dos direitos políticos só deve ser aplicada nos casos em que a sentença condenatória estabelecer a pena privativa de liberdade, com limitações que impliquem horários de recolhimento ao cárcere. Veja-se:
“Também, por ter sido o condenado beneficiado com medidas restritivas de direito, encontrando-se no gozo de seu ‘status libertatis’, inexistindo limitações que impliquem horários de recolhimento ao cárcere, à primeira vista, não poderá ter seus direitos políticos suspensos”. (TJMG – Apel. Criminal 1.0054.01.001253-9/001 – 02/06/2007)
“Descabe a restrição do exercício do direito de cidadania do condenado, através da suspensão dos direitos políticos, independentemente da espécie de pena a ele aplicada, uma vez que o art. 15, III, da Constituição Federal está disposto de forma genérica, não tendo sido regulamentado pelos artigos 91 e 92 do Código Penal nem por outra lei, não ficando claros os seus limites e forma de aplicação, sendo vedada a analogia in malam partem. – Embargos infringentes providos”. (TJMG – Embargos Infringentes 1720472-06.2010.8.13.0024 – 04/12/13)
Enfim, a polêmica sobre a restrição automática das prerrogativas políticas, nos casos em que a pena privativa de liberdade é substituída por restritiva de direitos, merece reflexão. Note-se que, no processamento do RE n.º 601182/MG, o Plenário do STF reconheceu a repercussão geral do tema. Logo, por cautela, vale aguardar até que o Excelso Pretório se pronuncie definitivamente sobre o mérito da questão.
Frederico do Espírito Santo Araújo
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